Terceira Turma afasta impenhorabilidade ao reconhecer má-fé em doação de imóvel
O reconhecimento de fraude à
execução, com a consequente declaração de ineficácia da doação, afasta a
proteção ao bem de família prevista na Lei 8.009/90. A decisão é da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que se discutia
a validade de uma doação feita em benefício de filho menor.
No caso, o credor ingressou com ação
de cobrança para receber valores decorrentes de aluguéis em atraso. Durante a
fase de cumprimento de sentença, os devedores decidiram transferir seu único
imóvel residencial para o filho. A doação foi feita três dias depois de serem
intimados ao pagamento da quantia de quase R$ 378 mil.
O artigo 1º da Lei 8.009 dispõe que o
único imóvel residencial da família é impenhorável e não responderá por nenhuma
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, salvo nas
hipóteses legalmente previstas.
Há precedentes no STJ que não
reconhecem fraude à execução na alienação de bem impenhorável, já que o bem de
família jamais será expropriado para satisfazer a dívida. A Terceira Turma, no
entanto, considerou que a conjuntura dos fatos evidenciou a má-fé do devedor e,
ponderando os valores em jogo, entendeu que deve prevalecer o direito do
credor.
Problemas de saúde
Os devedores alegaram em juízo que
não tinham por objetivo fraudar a execução. Como o pai enfrentava problemas de
saúde, o casal teria decidido resguardar o filho doando-lhe o imóvel, evitando
assim custosos e demorados processos de inventário. Sustentaram que não teriam
praticado nenhum ato que pudesse colocá-los em insolvência, já que não havia
bens penhoráveis mesmo antes da doação.
O juízo de primeiro grau concluiu
que, mesmo sendo inválida a doação, não houve fraude à execução, tendo em vista
que se tratava de imóvel que não poderia ser penhorado. O Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, reformou a decisão ao fundamento de
que houve má-fé na conduta, o que afasta a natureza impenhorável do imóvel.
Ao analisar a questão, a Terceira
Turma do STJ considerou que, em regra, o devedor que aliena, gratuita ou
onerosamente, o único imóvel onde reside com a família abre mão da proteção
legal, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não lhe serve
mais à moradia ou subsistência.
“As circunstâncias em que realizada a
doação do imóvel estão a revelar que os devedores, a todo custo, tentam ocultar
o bem e proteger o seu patrimônio, sacrificando o direito do credor, assim
obrando não apenas em fraude da execução, mas também – e sobretudo – com fraude
aos dispositivos da própria Lei 8.009”, afirmou a relatora, ministra Nancy
Andrighi.
Jurisprudência
A jurisprudência do STJ estabelece
que a impenhorabilidade do bem de família pode ser reconhecida a qualquer tempo
e grau de jurisdição, mediante simples petição. As Súmulas 364 e 486 estendem o
alcance da garantia legal da impenhorabilidade ao imóvel de pessoas solteiras,
separadas e viúvas, e também àquele que esteja locado a terceiros, se a renda
obtida for revertida para a subsistência da família.
A proteção legal pode ser afastada
quando o imóvel está desocupado e não se demonstra o cumprimento dos objetivos
da Lei 8.009. Também é afastada quando há o objetivo de fraudar a execução.
Nesse sentido, “o bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força do
reconhecimento de fraude à execução, não goza da proteção da impenhorabilidade
disposta na Lei 8.009”.
A jurisprudência aponta ainda que “é
possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela
Lei 8.009”.
Essa notícia se refere ao processo:
REsp 1364509
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