“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Justiça brasileira pode incluir em partilha valor de patrimônio mantido por cônjuge no exterior



Em caso de separação dos cônjuges, a necessidade de divisão igualitária do patrimônio adquirido na constância do casamento não exige que os bens móveis e imóveis existentes fora do Brasil sejam alcançados pela Justiça brasileira. Basta que os valores desses bens no exterior sejam considerados na partilha.


Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que, em ação de divórcio e partilha de bens ajuizada por brasileira contra uruguaio, ambos residentes no Brasil, entendeu ser de competência da Justiça brasileira reconhecer a existência de bens situados fora do país e incluir seus valores no rateio.

O recurso

No recurso apresentado ao STJ, o ex-marido sustentou negativa de vigência ao artigo 89, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual compete à autoridade judiciária brasileira proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Alegou que a norma processual prevalece sobre o regime de bens do casal (artigos 7º e 9º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC) e, por isso, a competência da Justiça brasileira recairia apenas sobre o patrimônio existente no Brasil.

O recorrente questionou a partilha de bens localizados no exterior, pois a regra processual não permitiria a um magistrado brasileiro ordenar a divisão de bens móveis situados fora do território nacional.

Competência brasileira

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou o entendimento do TJRS segundo o qual, por se tratar de questão regulada por lei nacional, a autoridade judiciária brasileira é plenamente competente para definir quais os direitos das partes envolvidas na demanda, de acordo com o disposto no artigo 7º da LICC.

Além disso, para o tribunal estadual, a legislação uruguaia considera que a competência, no caso, é da Justiça brasileira, conforme estabelece o artigo 2.397 do Código Civil uruguaio.

“O patrimônio amealhado pelo casal durante a união deve ser dividido de forma igualitária, e a única maneira de garantir os direitos assegurados pela legislação brasileira à ex-esposa é trazer ao monte partilhável a totalidade dos bens adquiridos pelo casal”, afirmou o TJRS, confirmando o entendimento do juízo de primeiro grau.

Divisão equilibrada

Sanseverino disse que o acórdão recorrido – tendo em conta que a lei brasileira estabelece a partilha igualitária entre os cônjuges, pois assim dispunha o regime de casamento – decidiu equilibrar os patrimônios de acordo com o valor dos bens existentes no Brasil e fora dele, integrando móveis e imóveis.

Segundo o ministro, “não se sugeriu ou determinou violação do direito alienígena ou invasão de território estrangeiro para cumprimento da decisão” nem foi proposto o uso dos meios próprios para tornar a decisão judicial brasileira eficaz no Uruguai.

Por fim, o relator ressaltou que a decisão respeitou expressamente as normas de direito material acerca do regime de bens, assim como os artigos 7º e 9º da LICC, não revelando qualquer afronta ao artigo 89 do CPC.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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