Lei nº 12.965/11: o Marco Civil da Internet – análise crítica
Carlos César Gomes Junior; Carlo Henrique da
Silva Galo; Giselli Vicente Datore; Robson Nóbrega da Costa: discentes do 3º
Semestre do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul.
Sumário: Resumo; Introdução; Surgimento do
Marco Civil; Objetivo da Lei nº12.965/2014; As
determinações aos usuários; A neutralidade da Rede; As determinações às
empresas; Conclusão; Referências.
Palavra-chave: Legislação da
Internet. Condutas na rede mundial de computadores. Neutralidade. Atualidade.
Resumo
O
artigo possui o objetivo principal de apresentar os principais aspectos da
recente Lei nº 12.965/2014,
promulgada no dia 22/04/2014, no que relaciona-se ao comportamento dos usuários
e das empresas dentro da World
Wide Web (Rede Mundial de
Computadores), destacando os direitos e deveres de cada um para com o
funcionamento da Internet com segurança, privacidade, e neutralidade
respeitando os direitos e garantias individuais presentes na Constituição
Federal de 1988.
1 Introdução
O
presente estudo analisa a nova lei para os usuários da Internet. Para a
realização da pesquisa, utilizou-se o método hipotético-dedutivo, saindo de uma
premissa maior para uma dedução lógica do assunto. O estudo baseou-se
exclusivamente na pesquisa bibliográfica e foi dividido em 8 itens, sendo que
no primeiro será tratado das noções gerais do tema, levantamento importante
para se entender o contexto do que será abordado. No segundo item será tratado
o surgimento da Internet no Brasil e seu importante avanço, porém sem
regulamentação, tendo o usuário somente o Código Civil e o Código de Defesa do como amparo
judicial para ilícitos cometidos na rede. No terceiro item será tratado o
início da proposta de Lei pelo Poder Executivo Federal para uma regulamentação
do uso da rede com sansões para clientes e empresas, seu trâmite desde o
surgimento até a aprovação final pelo Senado Federal. No quarto item será
abordado os objetivos da Lei, como garantir a defesa do usuário na aquisição de
produtos e serviços e assegurar o livre comércio entre empresas.
No quinto item será
abordado direitos e garantias, a privacidade dos usuários e o sigilo de
informações na internet bem como a sua qualidade. No sexto item será tratado a
neutralidade na rede quanto a responsabilidade das empresas pela transmissão de
dados, sua origem e destino, informações e gerenciamentos de dados com sigilo e
segurança. No sétimo item será tratado sobre as determinações às empresas que
ficam responsáveis pelo armazenamento de dados pessoais, registros e acessos na
rede, só podendo ser transmitida através de ação judicial, sua prescrição
quanto as informações e a obrigatoriedade de instalação de centrais no
território brasileiro para provedores internacionais.
Visa-se assim tornar
mais compreensível o entendimento da linha adotada pelos ora pesquisadores.
2 Noções Gerais
A
Internet surgiu há mais de 25 anos no Brasil, onde todos, sem distinção, tem o
direito de usá-la de forma livre, tendo em vista a não necessidade de nenhuma
autorização para seu uso, desde uma simples pesquisa até assistir um vídeo,
criar sites, blogs, aplicativos, etc. Ou seja, não havia até muito recentemente
lei alguma que regulamentava ou impunha limites aos mais diversos tipos de
acessos e fluxo de dados na rede mundial de computadores em território
brasileiro. Até então as relações digitais e possíveis violações de direitos
eram amparados pelo Código Civil, por
leis esparsas ou, em alguns casos, pelo Código de Defesa do Consumidor.
Dessa
forma, houve a necessidade da criação da Lei n.º 12.965, conhecida
popularmente como Marco Civil da Internet, que dispõe em seu Art. 1º a primazia pelos princípios,
garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, regulamentando
as relações entre usuários e empresas que fornecem o acesso à Internet com o
objetivo de adequar a cultura digital e a qualidade de uso. Assim, no que se
diz respeito à comportamento na rede, o Código Civil passa a atuar de forma subsidiária, ou
seja, socorrendo apenas na ausência de dispositivos aplicados ao caso concreto.
3 Surgimento do Marco Civil
O
Marco Civil da Internet, criado pelo Poder Executivo, teve inicio em 2011 como
uma Proposta de Lei nº 2.126, onde, em
primeira instância, passou pelo Plenário da Câmara e por diversas outras
comissõescomo: as Comissões de Defesa do Consumidor, Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática, Constituição e Justiça e de Cidadania, Proposição
Sujeita à Apreciação do Plenário, diversas vezes nos decorrer dos anos até
2013, o projeto foi colocado em apreciação pela Câmara dos Deputados,
entretanto, cancelado. No inicio do ano de 2014 o projeto foi novamente trazido
a pauta, em discussão no Plenário da Câmara dos Deputados, onde o projeto foi
emendado. Foram apresentadas as Emendas de Plenário que a comissão especial
conclui pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa.
No dia 25 de Março de
2014 foi aprovada a redação final e encaminhada para a apreciação do Senado,
sendo aprovado pelo mesmo no dia 22 de Abril de 2014. Por fim, a lei foi
sancionada simbolicamente pela Presidente Dilma Rousseff no dia 23 de Abril de
2014 em uma Conferência Internacional, conhecida como NETMundial, realizada em
São Paulo e que reuniu representantes de mais de 90 países. Lei esta, publicada
no Diário Oficial da União no dia 24 de Abril de 2014, com vigência prevista
para o dia 23 de Junho de 2014.
4 Objetivo da Lei nº 12.965/2014
O Marco Civil da
Internet traz em seus dispositivos a garantia à defesa dos consumidores que usam
a Internet para adquirirem produtos e serviços; regula a comercialização das
empresas que utilizam a rede mundial de computadores como meio de comércio,
assegurando a regime de livre iniciativa, bem como a livre concorrência; Além
de reger os serviços prestados pelos provedores de Internet, estipulando o
fornecimento com segurança e a garantia da funcionalidade, sob responsabilidade
dos agentes prestadores.
Dessa forma, essa Lei
busca garantir um acesso de qualidade e privacidade à todos os usuários sem
distinção de classe social ou econômica.
Assim
como retratados nos incisos do Art. 5º da Constituição
Federal vigente, a Lei12.965/14 possui
como fundamento a liberdade de expressão, respeitando as diferenças sociais e
pessoais, com o intuito de proteção aos direitos e garantias individuais.
Portanto, os principais objetivos da Lei são princípios que andam juntos com os
demais princípios do ordenamento jurídico brasileiro, conforme transcrito na
Lei:
Art. 6oNa
interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos,
princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes
particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano,
econômico, social e cultural.
5 As determinações aos usuários
Aos usuários, ficam
assegurados direitos e garantias que caracterizam a promoção da cultura e o
exercício da cidadania pelo acesso à Internet, como escrito no Art. 7º. A Lei
assegura o princípio da inviolabilidade da vida privada e da intimidade,
princípio este que, apesar de já ser exercido no Brasil para os acontecimentos
fora da rede, mostrou-se deficiente quando relacionada ao mundo virtual
ultimamente.
Aos
clientes dos provedores ficam reservados os direitos de receberem os serviços
contratados de qualidade, podendo ficar o uso da rede suspenso se, e somente
se, houver débitos decorrentes de sua utilização. Além disso, o Marco Civil
garante o sigilo de informações, comunicações, dados e registros armazenados,
exceto quando o usuário expressar e informar o consentimento da utilização de
seus dados, ou por determinação judicial, ou hipóteses previstas em lei. E o Código de Defesa do Consumidor fica responsável pela defesa das
relações de consumo realizadas na rede.
Ainda, o Art. 7º
dispõe que é Direito do usuário a clareza e a publicidade das políticas de
serviços oferecidos pelas empresas ao consumidor. O texto normativo reforça que
é garantido o direito à privacidade e à liberdade de expressão, estipulando que
qualquer cláusula contratual que se mostre contra este direito é nula. Estipula
também que o não oferecimento de um foro brasileiro para a solução de possíveis
problemas que aconteceram decorrentes de serviços prestados no território
nacional torna nula a respectiva cláusula contratual.
6 A neutralidade da Rede
A Neutralidade da
rede é um dos pontos polêmicos do Marco Civil e divide opiniões dos
especialistas no assunto, favoráveis ou não, de diferentes pessoas na sociedade
desde o Projeto de Lei ser apresentado.
O
Art. 9º, §
1º da Lei 12.965/14 dispõe
sobre a Neutralidade na rede afirmando que as empresas responsáveis pelo
roteamento, transmissão ou comutação da Internet deve tratar com isonomia
qualquer pacote de dados, independentemente do conteúdo, da origem e destino ou
da aplicação. Ainda, concede ao Presidente da República o poder de
regulamentar, por meio de decretos, a discriminação ou degradação do tráfego de
dados, decorrendo sobre priorização de serviços de emergência ou requisitos
técnicos que sejam indispensáveis à prestação dos serviços e aplicações. Porém,
não o deve fazer sem antes consultar o Comitê da Internet e a Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL).
Para
tanto, a Lei estabelece que caso ocorra uma violação do § 1º o responsável pelo
fornecimento da rede deve obedecer o seguinte artigo do Código Civil:
Art.
927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Além disso, deve agir
com com total transparência e clareza, e informar, da mesma maneira, aos seus
usuários, sobre todos os detalhes do gerenciamento de tráfego adotados,
inclusive no que se trata à segurança da rede, oferecendo serviços com
condições que não haja discriminações. Fica vedado à empresa que fornece,
comuta ou transmite a conexão da Internet, seja ela gratuita ou onerosa, o
bloqueio, a monitoração ou a análise do conteúdo do pacote de dados oferecido.
Um exemplo utilizado
corriqueiramente para demonstrar um caso em que não há neutralidade é a
comparação das empresas de Internet, com as empresas de televisão por
assinatura, onde o cliente assina pacotes por diferentes serviços. Dessa forma,
uma empresa que fornece acesso à rede pode cobrar R$ 15,00 para o acesso à
e-mails, mas vetar o acesso à redes sociais como o YouTube, Facebook ou
Twitter.
Para as empresas, a
neutralidade total acaba com a possibilidade de oferecer pacotes mais
acessíveis. Já os defensores da Lei afirmam que ela assegura o acesso aos
serviços mais caros para uma faixa da população com menor poder aquisitivo.
7 As determinações às empresas
Além da neutralidade
da rede, às empresas que fornecem o acesso à conexão fica o dever da proteção
de todos os registros e dados pessoais; do armazenamento dos registros de
conexão e dos acessos às aplicações; e da responsabilidade por danos que
decorram de conteúdo gerado por terceiros.
O Marco Civil da
Internet estabelece que a empresa deve armazenar registros de conexão e de
acesso à aplicativos sempre preservando a honra, a vida privada, e a imagem dos
usuários. Informações, estas, com acesso somente perante uma ordem judicial que
não entre em conflito com o Art. 7º da mesma Lei. Não impedindo, entretanto, o
acesso à dados cadastrais que informem qualificação pessoal, endereço e
filiação, por parte de empresas competentes para a aquisição desses dados.
Vale ressaltar que as
condições acima aplicam-se com validade para os dados obtidos pelas empresas no
território Nacional desde que pelo menos um terminal do provedor esteja aqui
localizado. Até mesmo quando tratar-se de pessoa jurídica sediada no exterior
que oferte serviço público brasileiro ou possua algum integrante do mesmo grupo
econômico com estabelecimento no Brasil. Ou seja, qualquer empresa que opere no
Brasil deve respeitar a legislação aqui vigente e entregar as informações
requeridas pela Justiça.
Portanto,
sem interferência em sanções cíveis, administrativas ou criminais, os dispostos
tratados acima referentes aos Art. 10 e 11 da Lei 12.965/14, ficam
sujeitas à sanções que variam dependendo do caso, podendo serem aplicadas
isolada ou cumulativamente:
(...)
I -
advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II -
multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no
seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica
do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a
intensidade da sanção;
III -
suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11;
ou
IV -
proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art.
11.
Parágrafo
único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo
pagamento da multa de que trata o caputsua filial, sucursal, escritório ou
estabelecimento situado no País.
É responsabilidade do
provedor da conexão de guardar sigilosamente os registros de conexões em
ambiente controlado e seguro pelo prazo de 1 ano, não podendo transferir a
responsabilidade para terceiro. Havendo a possibilidade, ainda, de que a
autoridade policial ou o Ministério Público requerer a guarda dos registros de
conexão por prazo superior a 1 ano, tendo, o requerido, a partir do
requerimento, prazo de 60 dias para ingressar com pedido de autorização
judicial para o acesso aos registros de conexões. Salientando que o provedor
deve sempre manter sigilo sobre o requerente das informações. Na hipótese da
violabilidade de qualquer parágrafo do Art. 13º da respectiva Lei,
considerar-se-ão a natureza e a gravidade da infração, os danos resultantes, os
agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência.
Tratando-se de acesso
à aplicações, o respectivo registro deverá ser armazenado pelo prazo de 6 meses
sob sigilo e em local seguro, por provedor de aplicações de Internet
constituído como Pessoa Jurídica, exercendo atividade de forma profissional e
com fins econômicos. Entretanto, uma ordem judicial poderá determinar que algum
provedor que não se enquadre nas características acima guarde os registros de
acesso por determinado período.
A autoridade policial
ou o Ministério Público poderão requerer neste caso também à qualquer provedor
para que os registos de acesso aos aplicativos sejam armazenados por prazo
superior ao estipulado no Art. 15º. É importante citar que registro de acesso
algum poderá ser armazenado sem o prévio consentimento do titular, respeitando
o Art. 7º da mesma Lei.
Tratando-se da
responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros o
provedor de Internet não pode ser responsabilizado, exceto se, após receber
ordem judicial para tornar indisponível o conteúdo infringente, não o fizer. A
ordem judicial para remover conteúdo infringente deverá conter identificação
específica do conteúdo permitindo a possível localização sem erros do material.
As causas que tratam sobre o ressarcimento de danos decorrentes de conteúdos
relacionados à honra, à reputação, ou a direitos de personalidade poderão ser
apresentadas perante o Juizado Especial. O juiz poderá antecipar, total ou
parcialmente, a tutela requerida no pedido inicial existindo prova inequívoca
dos fatos, e presentes também os requisitos de verossimilhança dos fatos
alegados e o receio de dano de difícil reparação.
8 Conclusão
Diante
do exposto ao longo deste artigo é possível chegar à conclusão que
anteriormente não havia nenhuma Lei que tratava de diversas situações danosas
que vinham ocorrendo no mundo virtual, levando esses aspectos a serem amparados
peloCódigo Civil e em alguns casos pelo Código de Defesa do Consumidor.
A
Lei 12.965/2014 surgiu
para uma regularização das ações tomadas na Internet estipulando direitos e
deveres tanto para quem a utiliza, quanto para quem a distribui, regulamentando
algumas sanções e termos, como a neutralidade, visando uma maior distribuição
de privacidade, segurança e acessibilidade. Apresentada pela Presidente Dilma
Rousseff na Conferência Internacional NETMundial[1], o Brasil ficou conhecido
como uma das principais democracias a regulamentar a utilização da Internet no
mundo, não muito diferente dos Estados Unidos da América que possuem votação
prevista para o dia 15 de Maio de 2014 de uma Lei semelhante à tratada neste
artigo.
Entretanto, apesar da
boa regulamentação legislativa para um assunto cada vez mais comum no nosso
diaadia, o Marco Civil deixa algumas dúvidas e pontos a serem esclarecidos,
além de que, se for analisado, somente países com um alto controle das
informações circulantes em seu território possuem legislações estruturalmente
parecidas à qual estamos estudando; Países estes que não toleram ideias que
sejam contrárias aos interesses governamentais, como China, Coréia do Norte e
Cuba.
É indiscutível que a
Internet é a maior fonte de informações livre e descentralizada atualmente. E é
indiscutível também que o poder das redes sociais nos dias de hoje preocupam
muitos governos. Atualmente, não há um interesse popular para uma intervenção
governamental por parte dos usuários que utilizam a Rede. As próprias redes
sociais possuem seus mecanismos de controle de conteúdo. Há um descontentamento
dos usuários por parte da prestação de serviços das operadoras, que, não
satisfeitos, migram de uma empresa para outra em busca de um serviço mais
adequado, tanto tecnicamente, quanto financeiramente falando, porém existe ai
uma livre concorrência entre duas ou mais empresas. Concorrência esta, que
estimula sempre a melhoria na prestação de serviços.
O Marco Civil busca
tornar neutro os tráfegos de dados e corrigir diversos abusos, Pode-se dizer
com ele, que o primeiro passo para regulamentação foi dado, mas ainda se está
longe de uma solução para os problemas ocorrentes na rede.
Entretanto, a lei,
embora cheia de falhas deve ser elogiada, pois até através dela que se chegará
à uma regulamentação mais próxima da realidade social, fazendo com os usuários
que crescem a cada ano, se sintam cada vez mais seguros em usar a rede mundial
de computadores.
Notas
[1]
G1 – Tecnologia e Games. Disponível em:http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/04/netmundial-inicia-com-obrigado-snowdenedefesa-da-in....
Acesso em: 22 abr. 2014.
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