“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Defensoria não tem legitimidade para propor ação coletiva contra aumento de plano de saúde


A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a Defensoria Pública não tem legitimidade extraordinária para ajuizar ação coletiva em favor de consumidores de plano de saúde que sofreram reajustes em seus contratos em razão da mudança de faixa etária.


O colegiado, de forma unânime, entendeu que, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação da Defensoria deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.

“Ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Assim, penso que o grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública para fins de ajuizamento de ação civil pública”, assinalou o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão.

Abuso 

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul ajuizou ação coletiva contra a Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini – Plano de Saúde Tacchimed para que fossem declarados abusivos os reajustes de mensalidades decorrentes da mudança de faixa etária dos beneficiários.

O magistrado de primeiro grau deferiu a antecipação da tutela, determinando que o plano de saúde se abstivesse em reajustar os planos de saúde de seus contratantes com idade superior a 60 anos.

O plano interpôs agravo regimental, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por maioria, acolheu a preliminar de ilegitimidade da Defensoria Pública, julgando extinto o pedido principal.

“A Defensoria não tem legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação coletiva em nome de pessoas não identificadas. A Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 11.448/07, autoriza o ajuizamento, na forma do artigo 5º, II, mas desde que identificadas as partes e que sejam necessitadas”, afirmou o TJRS.

Função institucional

A Defensoria recorreu da decisão com embargos infringentes. O tribunal estadual reformou a posição anterior e declarou que é função institucional do órgão, entre outras, patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado. Assim, segundo o TJRS, nada impede que, para o adequado exercício de suas funções institucionais, a Defensoria lance mão dos instrumentos de tutela coletiva.

No STJ, o plano de saúde interpôs recurso especial questionando a admissão dos embargos infringentes interpostos contra decisão não unânime que, em sede de agravo de instrumento, extinguiu a ação sem julgamento do mérito.

Sustentou ainda que o sistema de saúde garante o atendimento a todos, indistintamente, e aquele que opta por um plano particular não pode ser considerado necessitado a ponto de ter seus interesses patrocinados pela Defensoria Pública.

Cabimento dos embargos

Sobre os embargos infringentes, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que o STJ já admitiu seu cabimento contra acórdão que, por maioria, acolheu preliminar de ilegitimidade para reformar sentença e extinguir o processo por falta de condições da ação (artigo 267, VI, do Código de Processo Civil), em situação na qual “o magistrado acabou por realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição”, chegando a entrar no mérito da controvérsia.

No caso julgado agora, disse o ministro, também houve cognição profunda e de grande alcance sobre a legitimidade ativa da Defensoria para ações civis públicas contra suposto abuso de planos de saúde, o que, afinal, diz respeito à possibilidade de a instituição ajuizar processos coletivos em favor de pessoas que não sejam necessitadas.

“Para se chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora, acabou-se adentrando também no terreno do mérito”, explicou o relator. Além disso, segundo ele, o STJ já decidiu que, havendo dúvida razoável quanto ao seu cabimento, é melhor admitir os embargos infringentes.

Limitador

Quanto ao mérito da controvérsia, o ministro assinalou que a Constituição Federal atribui à Defensoria a tarefa de prestar assistência jurídica ao necessitado que comprovar insuficiência de recursos, ou seja, que não tiver meios de arcar com as despesas relativas aos serviços jurídicos de que precisa. 

“Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, penso que há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica – a defesa dos necessitados –, devendo todos os demais normativos ser interpretados à luz desse parâmetro, inclusive no tocante aos processos coletivos”, declarou o relator.

A Quarta Turma reconheceu a ilegitimidade ativa da Defensoria e determinou o encaminhamento do processo ao juízo de primeira instância, para que eventuais interessados em sua condução possam substituir a parte declarada ilegítima.

Essa notícia se refere ao processo: REsp 1192577


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