Juiz manda soltar homens acusados de roubar melancia
Duas
melancias. Dois homens que roubaram as frutas. Um promotor, uma prisão. E
vários motivos encontrados pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula da 3ª Vara
Criminal da Comarca de Palmas, no Tocantins, para mandar soltar os indiciados.
“Poderia
sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém; poderia
aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que
mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário”, argumenta o
juiz.
Outras
razões também são usadas pelo juiz, que ao final da sentença decide pela
liberdade dos acusados “em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar
nenhum desses fundamentos como razão de decidir”. (com informações do Espaço
Vital)
Leia
decisão na íntegra
Decisão
proferida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 - 3ª Vara
Criminal da Comarca de Palmas/TO:
DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e
Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de
duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou
pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros
fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural,
o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima,
os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da
prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à
liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de
se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário
nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem
ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica
brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de
Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a
colonização européia.
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na
cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra
- e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante
de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às
normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de
decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se
Palmas - TO, 05 de setembro de 2003.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito
Publicado por Rafael Antônio Pellizzetti
advrap@hotmail.com
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