“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

O endereço eletrônico da cidadania



ESPECIAL 25 ANOS

Houve um tempo, não muito distante, em que para ter acesso a notícias era preciso se dirigir à banca de jornal mais próxima; que uma carta demorava dias para chegar ao seu destinatário; que para pagar contas, só mesmo indo pessoalmente ao banco, e que telefone era um aparelho usado apenas para fazer ligações.

Em 1989, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi instalado, e alguns poucos centros acadêmicos brasileiros faziam suas primeiras experiências de transmissão de dados entre computadores, a rotina da corte também não dispunha de grandes aparatos tecnológicos. Atas eram manuscritas; certidões de julgamentos, datilografadas e entregues dois ou três dias depois nos gabinetes; carrinhos eram vistos por todos os lados, levando e trazendo pilhas e mais pilhas de processos.

No museu do STJ, é possível encontrar preciosidades dessa época. Máquina de datilografar, processos amarrados com barbante e até uma mesa marcada pelo uso de furadeiras, usadas para que as páginas dos autos pudessem ser costuradas.

Vinte e cinco anos se passaram. Hoje, em meio a processos virtuais, scanners e impressoras wi-fi, é difícil imaginar como um tribunal que recebe demandas de todo o país conseguia gerenciar tamanho volume de trabalho.

Processos que antes ocupavam salas inteiras, com difícil organização e localização, hoje estão ao alcance de um clique. Mas, sem dúvida, dentre todos os benefícios trazidos pela tecnologia, o que mais se destaca é a celeridade no trâmite processual.

Com o processo físico, era preciso, em média, cem dias para receber, registrar, autuar, classificar e distribuí-lo aos relatores. Hoje, tudo pode ser resolvido em questão de horas ou até mesmo minutos. As sessões de julgamento também se tornaram mais produtivas, pois os ministros têm acesso simultâneo ao processo. Para localizar trechos de sentenças ou acórdãos, por exemplo, basta clicar no documento desejado, sem a necessidade de folhear páginas e mais páginas em busca das informações desejadas.

Novos tempos

O legislador, antevendo essas possibilidades, criou a Lei 11.419/06, que trata da informatização do processo judicial. A norma, que entrou em vigor no dia 20 de março de 2007, foi um marco. Com regras gerais sobre a adoção de meios eletrônicos para a tramitação processual, em qualquer grau de jurisdição, a nova lei foi o anúncio de novos tempos para a Justiça brasileira.

O STJ não perdeu tempo. Logo após a edição da norma, ainda em 2007, o presidente do tribunal à época, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, introduziu o sistema de peticionamento eletrônico, e em 2008, a corte entrou para a história como o primeiro tribunal do mundo a aderir à digitalização dos processos.

A iniciativa de converter processos físicos em informação digital foi lançada pelo então presidente, ministro Cesar Asfor Rocha. Naquele ano, foram digitalizados 4.700 processos. Hoje, são mais de um milhão de feitos totalmente digitalizados.

A tramitação eletrônica começou logo no ano seguinte e, também em 2009, houve a primeira distribuição eletrônica de processos digitalizados. Mudanças que chamaram a atenção da sociedade jurídica internacional.

Representantes dos judiciários da Espanha, República Dominicana, Cuba, Peru e Eslováquia vieram ao Brasil conhecer a nova metodologia de trabalho do STJ e assinaram acordos de cooperação técnica. O Banco Mundial classificou o processo eletrônico brasileiro como uma boa prática internacional e recomendou o modelo a países que buscam a modernização de seus métodos judiciais.

Peticionamento eletrônico

Dos processos que tramitam hoje no STJ, apenas 3% são físicos. Trazer essa realidade para o peticionamento eletrônico, entretanto, foi um dos maiores desafios da atual gestão. No início de 2013, apenas 30% das petições eram apresentadas eletronicamente; os outros 70% eram entregues em papel – pessoalmente, por fax ou pelos correios.

A saída para enfrentar o problema veio em forma de resolução. Em 2013, o presidente do STJ, ministro Felix Fischer, publicou o normativo interno número 14, que trouxe o peticionamento eletrônico obrigatório.

A medida foi programada para duas etapas. Na primeira, implementada em outubro de 2013, o peticionamento eletrônico passou a ser obrigatório para conflito de competência, mandado de segurança, reclamação, sentença estrangeira, suspensão de liminar e de sentença e suspensão de segurança. A segunda fase, programada para entrar em vigor no próximo dia 9 de abril, estende a exigência para outras classes processuais.

A partir dessa data, o peticionamento na forma física só será permitido para habeas corpus, recurso em habeas corpus, ação penal, inquérito, sindicância, comunicação, revisão criminal, petição, representação, ação de improbidade administrativa e conflito de atribuições.

Em novembro de 2013, com a obrigatoriedade da primeira etapa em vigor, 70% das mais de 30 mil petições recebidas já eram em formato digital e, apesar de toda a resistência, pode-se afirmar que o peticionamento eletrônico obrigatório estabeleceu uma relação “ganha-ganha” entre os advogados e o tribunal.

O processo eletrônico dispensa o deslocamento até o STJ, facilita o acesso às informações dos processos e o acompanhamento da tramitação, permite peticionar em horário diferenciado e ter a segurança de que os dados foram transmitidos sem falhas. Isso sem contar a economia com viagens a Brasília, no caso de advogados de outras praças, e o impacto positivo para o meio ambiente – menos gastos de papel e tinta de impressora, por exemplo.

Interoperabilidade

É um caminho sem volta e, nessa estrada, todos os envolvidos na prestação jurisdicional brasileira estão movendo esforços para conseguir andar juntos. Em 2009, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diversos outros órgãos, entre eles o STJ, firmaram um termo de cooperação técnica que instituiu o Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI).

O modelo estabelece um padrão nacional de integração de sistemas de processo eletrônico, para o intercâmbio de informações, documentos e processos judiciais entre os órgãos. Esse padrão é definido por um comitê gestor conduzido pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público, e formado pelas equipes técnicas dos órgãos signatários (STF, CNJ, STJ, CJF, TST, CSJT, AGU e PGR).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e o Ministério Público Federal (MPF) já possuem essa integração eletrônica com o STJ. Mais de 8.500 processos, que eram encaminhados em CD, pelos correios, já foram devolvidos em meio eletrônico ao TRF4, e o MPF, desde dezembro de 2012, já encaminhou mais de cem mil petições via integração de sistemas.

De acordo com a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do STJ, o tribunal, além de usuário deste padrão de comunicação, também atua efetivamente em sua concepção, propondo inovações e colaborando com a evolução do processo judicial eletrônico (PJe). Uma dessas iniciativas, ainda em fase de execução, é a integração com o PJe, tendo o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) como projeto piloto.

Tabela única

Outra importante determinação do CNJ, instituída na Resolução 46/07, é a Tabela Unificada de Movimentos Processuais (TUM). A tabela cria uma padronização e uniformização taxonômica e terminológica de classes, assuntos e movimentações processuais no âmbito da Justiça, em todas as instâncias.

A padronização vai possibilitar, por exemplo, a geração de dados estatísticos mais precisos e uma melhor utilização da informação processual. Com a implantação da TUM, todos os andamentos processuais lançados nos processos em tramitação (não baixados) deverão observar a terminologia nela estabelecida, preservados os lançamentos efetuados anteriormente.

Todos os processos que tramitam hoje no STJ já estão cadastrados de acordo com a TUM. O termo “acórdão”, por exemplo, agora é “publicado”; “retirado de pauta”, na nova nomenclatura, deve ser lançado assim: “Resultado de julgamento: retirado de pauta”. Com uma linguagem única, será mais fácil a troca de informações e também a compreensão do usuário em relação à tramitação de seu processo.

Visão de futuro

Dentro do tribunal também se observa o empenho constante, por parte dos ministros, em aplicar novas ideias tecnológicas ao cotidiano forense. Em agosto de 2013, a ministra Nancy Andrighi realizou a primeira audiência de atendimento a advogados por videoconferência, e, em outubro, a ministra Eliana Calmon (hoje aposentada) inaugurou o uso da ferramenta em interrogatório de processo penal originário.

São novas ideias, novas possibilidades, novas ferramentas surgindo a cada dia. De olho no futuro, o presidente Felix Fischer solicitou à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação a elaboração de um projeto de infraestrutura tecnológica do STJ para os próximos 25 anos.

O projeto elencou ações para a melhoria da capacidade e performance de toda a planta tecnológica, de forma a garantir a evolução do STJ, suportando as demandas atuais e futuras das áreas fim e meio, com destaque para o acesso aos sistemas, armazenamento de dados, ambiente remoto e seguro para os ministros, segurança de dados e parque de impressoras.

Entre as principais ações realizadas em 2013, foram adquiridos novos servidores com alta capacidade computacional, novosstorages (unidades de armazenamento) e a troca completa do parque de switches, que são os responsáveis pelo fornecimento do sinal de rede para as estações de trabalho.

Não foi e não tem sido um trabalho fácil, mas o STJ tem abraçado todas as oportunidades criadas pela tecnologia. O resultado prático que se busca é uma prestação jurisdicional mais eficiente, com redução de custos e, principalmente, a concretização da garantia constitucional do amplo acesso à Justiça e da razoável duração do processo. 

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=113897

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