Programa Mais Médicos é questionado no Supremo
Segunda-feira, 26 de agosto de 2013
O ministro Marco
Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), é o relator da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5035) ajuizada pela Associação Médica Brasileira
(AMB) contra dispositivos da Medida Provisória (MP) 621/2013, que criou o
Programa Mais Médicos. A entidade acusa o programa de ser “elaborado sob
uma base jurídica contrária aos ditames constitucionais”. A ação pede a
concessão de liminar, com efeito retroativo, para suspender os
dispositivos impugnados e, no mérito, a sua declaração de
inconstitucionalidade.
A AMB argumenta que
a situação da gestão da saúde pública no Brasil é um problema crônico, de culpa
exclusiva dos poderes públicos, e que não será resolvido com uma “solução
mágica” criada por meio de medida provisória, instituto legal que somente pode
ser adotado em caso de relevância e urgência. Segundo a entidade, o programa
Mais Médicos foi criado “em verdadeiro toque de caixa” com intuito único “de
tentar abafar o clamor popular” das manifestações ocorridas em todo o Brasil.
A associação acrescenta que a norma legal subverte “todo o sistema jurídico vigente, causando enorme insegurança jurídica, moral e ética".
Qualidade duvidosa
A AMB afirma que o
programa do governo federal promove “o exercício ilegal da medicina em solo
brasileiro”, já que autoriza que “pessoas sem qualquer habilitação técnica e
jurídica pratiquem atos médicos no Brasil”. Segundo a entidade, a saúde da
população brasileira não pode ser prejudicada com a “entrega de uma prestação
de serviços médicos de qualidade duvidosa”.
Isso porque os
artigos 7º, 9º e 10º da MP autorizam que médicos estrangeiros sejam recebidos
no Brasil na modalidade de intercâmbio internacional e atuem sem revalidar o
diploma e sem ter de provar que dominam a língua portuguesa. “A contratação de
pessoas (intercambistas) sem a necessária habilitação profissional (revalidação
do diploma) e sem o domínio do idioma nacional para a realização de atendimento
médico em inúmeros municípios da federação é uma atitude nefasta e antirrepublicana”,
ressalta a AMB.
A associação
acrescenta que a dispensa de revalidação do diploma obtido em outros países
coloca a população em risco e cria dois tipos diferentes de medicina: a
primeira formada pelos médicos que poderão exercer a profissão livremente em
todo o território nacional, e a segunda “composta pelos intercambistas do
Programa Mais Médicos, que terão seu direito ao exercício profissional limitado
a determinada região, com qualidade duvidosa, para atender a população que
depende do Sistema Único de Saúde (SUS), já que não terão seus conhecimentos
avaliados".
A AMB acrescenta
que documentos anexados ao processo evidenciam que o índice de êxito dos
médicos estrangeiros no Revalida, processo de revalidação do diploma para a
categoria profissional no Brasil, é de aproximadamente 8% a 9%. A entidade
afirma que não é contrária à presença de médicos estrangeiros em território
brasileiro, “mas exige-se que tais profissionais demonstrem efetivamente que
possuem capacidade técnica para o exercício da profissão”, conforme determina a
legislação brasileira.
Além disso, a
entidade diz que o artigo 10 da MP (parágrafos 2º, 3º e 4º) afronta a autonomia
das entidades médicas de classe quanto à expedição do registro profissional
junto aos conselhos regionais de medicina. “É evidente que a mera declaração de
participação no Projeto Mais Médicos não é condição necessária e suficiente
para a expedição de registro provisório pelos conselhos regionais de medicina”,
adverte.
Língua portuguesa
Em relação ao
artigo 9º da MP (inciso III do parágrafo 1º), a AMB aponta que a exigência de
conhecimento em língua portuguesa é “propositalmente” feita de “forma
genérica”, para, “na prática, ignorar esse importante requisito e permitir que
profissionais exerçam a medicina no território brasileiro sem ter o domínio
necessário do idioma nacional”.
Legislação
trabalhista
A AMB afirma ainda
que a MP 621/2013 viola a legislação trabalhista e caracteriza “verdadeira
escravidão disfarçada de intercâmbio”. A entidade destaca que a alegação de
falta de médicos que queiram trabalhar no interior do país não pode servir de
“subterfúgio para o descumprimento da legislação brasileira”.
A entidade pontua
que o artigo 11 da medida provisória permite que o médico intercambista atue no
Brasil sem “vínculo empregatício de qualquer natureza” e questiona se isso
significa que essas pessoas estarão “totalmente desprotegidas das relações
trabalhistas” e deixarão de ter assegurado o cumprimento de um “regramento
salarial e de trabalho”.
Ao se referir aos
médicos cubanos que vão atuar no país, a AMB disse não ser “crível que o Estado
brasileiro, que é signatário de diversos tratados internacionais para a tutela
dos direitos humanos, inclusive para a erradicação do trabalho escravo, admita
a possibilidade de contratação de pessoas estrangeiras em situações precárias,
inclusive de suspeita de retenção de parte dos recursos percebidos para
posterior remessa para Cuba”.
Consumidor,
isonomia e autonomia universitária
A Associação aponta
ainda violação dos direitos do consumidor, já que os cidadãos serão atendidos
por pessoas que não são consideradas médicas pela legislação brasileira;
afronta ao dispositivo constitucional que assegura a autonomia universitária,
no que concerne à revalidação dos diplomas; e desrespeito ao princípio
constitucional que determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) rege-se pela
prevenção e pela busca da isonomia por meio do tratamento igualitário.
Concurso público
Para a entidade, há
ainda burla ao princípio constitucional do concurso público, da moralidade e da
impessoalidade, e defende que, antes de implementar o projeto, o governo
deveria oferecer, por meio de concurso público, as vagas existentes na área de
saúde para os médicos que já atuam no Brasil.
Na ADI, a
Associação Médica Brasileira ressalta ainda que o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) vem sistematicamente exigindo que os estrangeiros revalidem seus diplomas
para atuar no Brasil.
ADI 5037
Em outra Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5037), também distribuída ao ministro
Marco Aurélio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários
Regulamentados (CNTU) também questiona a constitucionalidade do Mais Médicos.
Além dos fundamentos já apontados pela AMB, a confederação ataca o ponto da MP
621/2013 que introduz alterações na formação dos médicos brasileiros, que, para
aqueles que ingressarem nos cursos de medicina a partir de janeiro de 2015,
abrangerá dois ciclos – o da formação universitária propriamente dita e um
segundo ciclo de treinamento em serviço, “exclusivamente na atenção básica à
saúde” no âmbito do SUS, com duração mínima de dois anos.
Para a CNTU, essa
alteração fere a autonomia universitária, garantida no artigo 207 da
Constituição. “Foram instauradas diversas alterações nos planos educacionais
nacionais referentes aos cursos de medicina, que envolvem diretamente o
funcionamento das universidades, e se desdobram inclusive em novos custos a
serem implantados”, alega.
RR,CF/AD
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