O calvário do credor de alimentos
18/03/2013 10h48
MARIA BERENICE DIAS Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito das Famílias e
Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família –
IBDFAM. Presidenta da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho
Federal da OAB. Pós-graduada e Mestre em Processo Civil pela PUC-RS.
www.direitohomoafetivo.com.br
A dívida de alimentos é uma das raras
hipóteses que a Constituição Federal admite prisão por dívida.[1] Assim, nem
que fosse por puro temor, essa deveria ser a obrigação com menor índice de
inadimplência. Mas quem deve, sabe que não há nada melhor do que não pagar
alimentos. E o credor sabe do verdadeiro calvário que é a cobrança de crédito
alimentar.
É tal o desencontro entre a Lei de
Alimentos e o Código de Processo Civil, quando se fala em execução de alimentos
que nem é possível dizer qual é o prazo da prisão a que se sujeita o devedor. A
Lei 5.478, que data do ano de 1968,[2] autoriza a prisão do devedor por até
sessenta dias. Já o Código de Processo Civil, que vigora desde 1973,[3] prevê a
prisão pelo prazo de um a três meses. Por se tratar de dívida considerada
civil, sob a justificativa de o devedor precisar trabalhar para atender a
encargo que deixou de pagar – mesmo estando trabalhando –, a tendência é
admitir o cumprimento da pena em regime aberto ou até em prisão domiciliar.
Não bastasse isso, há outro detalhe
que merece ser chamado, no mínimo, de insólito. Quanto mais o devedor deve,
mais chance tem de não ir para a cadeia. A mora produz uma alquimia: transforma
os alimentos. A dívida faz com que os alimentos mudem de natureza. Ainda que a
Constituição Federal[4] reconheça o direito à alimentação como um direito
social, com o passar do tempo os alimentos deixam de ser alimentos. Será que
apodrecem?
Este não senso, não está na lei. Mas,
em face da absoluta dificuldade dos juízes de decretar a prisão do devedor, o
STJ[5] sumulou a orientação adotada pela jurisprudência majoritária. Limitou a
execução pelo rito da coação pessoal a três prestações. Assim, quem deve mais
de três meses de pensão alimentícia simplesmente está livre da prisão, não
vai para a cadeia.
Há mais. A dívida alimentar também
não gera – ou não gerava – consequências de outra ordem, como acontece com toda
e qualquer dívida. Ou seja, se alguém não paga a luz, a energia é cortada. Caso
deixe de honrar dívida perante uma instituição financeira, se sujeita ao
pagamento de multa, juros sobre juros, comissão de permanência e toda a sorte
de taxas e tarifas. Isso tudo sem contar com a inscrição de seu nome no
cadastro de devedores. E lá se vai qualquer chance de obter crédito seja para o
que for.
Felizmente a Justiça começou a
atentar a esta realidade, autorizando a inscrição do alimentante nos cadastros
da SERASA e do SPC bem como a penhora de conta vinculada ao FGTS.
Ao certo quaisquer dessas
providências são mais eficazes do que o próprio aprisionamento. Afinal, nada
justifica que o devedor armazene um crédito para quando se aposentar, atingir
70 anos ou quiser adquirir casa própria, enquanto alguém, sem condições de
prover o próprio sustenta, fica sem receber o que lhe é devido. Nessa linha a
orientação do STJ que, invocando os princípios da proporcionalidade e da
dignidade da pessoa humana, admite a possibilidade da penhora e levantamento do
saldo e não simplesmente o bloqueio de valores.
Mister realizar uma ponderação de princípios,
sobrepondo o direito do credor à resistência do devedor. Quando a dívida é de
pais para com os filhos, tal postura configura, inclusive, crime de abandono.
Por isso a falta de previsão legal
não pode impedir que a justiça imprima mais eficácia às suas decisões. A
justificativa transborda de coragem e coerência: como é permitido o mais, ou
seja, a prisão do devedor, antes disso é possível a inscrição do seu nome no
cadastro de inadimplentes.
Esta é a nova postura do magistrado cada vez mais comprometido com a
efetividade da Justiça. Não há como esperar pelo legislador para assegurar, a
quem bate às portas do Poder Judiciário, uma resposta que atenda ao que a
Constituição Federal promete a todos: a inviolabilidade do direito à
vida.
[1] CF, art. 5º, LXVII: não haverá
prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário
e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; [2] Lei nº
5.478/68, art. 19: O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença
ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu
esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a
decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias. [3] CPC, art. 733, §
1º: § 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão
pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. [4] CF, art. 6º: São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. [5] Súmula 309: O débito alimentar
que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três
prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso
do processo. O texto também pode ser encontrado no site:
www.atualidadesdodireito.com.br.
http://www.fatonotorio.com.br/artigos/ver/256/o-calvario-do-credor-de-alimentos
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