“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

STJ reconhece ação investigatória de paternidade ajuizada por filho adotado à brasileira contra pai biológico


27/12/2012 - 08h03
DECISÃO

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu pedido de uma filha para ter seus pais biológicos reconhecidos juridicamente, com todas as consequências legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que eles figurem como pais legítimos, em detrimento dos pais adotivos.

O colegiado levou em consideração o entendimento de que, embora tenha sido acolhida em lar adotivo e usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada desde o nascimento até a idade madura.

A filha ajuizou ação de investigação de paternidade e maternidade cumulada com anulação de registro contra seus pais biológicos, alegando que, com seis meses de vida, foi entregue a um casal, que a registrou como se fosse filha biológica.

Na adolescência, soube que a mãe biológica era sua madrinha. Mas seus pais adotivos desconheciam quem era o pai biológico, pois a menina lhes fora entregue pela genitora. Somente seis anos depois da morte de seus pais registrais, quando ela tinha 47 anos de idade, conseguiu saber a identidade do pai biológico e, assim, propôs a ação.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido da filha, declarando os pais biológicos seus pais para todos os fins de direito, inclusive hereditários. No entanto, manteve íntegro o registro de nascimento.

Em apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença e julgou a ação improcedente. “Mostra-se flagrantemente descabida a investigação de paternidade, quando resta consolidada a relação jurídica de paternidade socioafetiva com o pai e a mãe registrais”, afirmou o TJRS.

No STJ, o Ministério Público estadual interpôs recurso especial sustentando a possibilidade de anulação do registro da autora, para que seja lançada a filiação biológica, apurada em exame de DNA, em detrimento da paternidade registral e socioafetiva.

Paternidade biológica

Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, disse que deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, essa afirmação seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

“No caso de ser o filho quem vindica esse estado contrário ao que consta no registro civil”, alertou o ministro, “parece claro que lhe socorre a existência de erro ou falsidade para os quais não contribuiu.”

Segundo o ministro, afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de “adoção à brasileira”, significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.

“A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada ‘adoção à brasileira’, independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada ‘adoção à brasileira’”, afirmou Salomão.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108193

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ