Joaquim Barbosa e a marcha da sensatez
LUIZ FLÁVIO GOMES Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela
Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP.
Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito
(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Blog: www.blogdolfg.com.br.
Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG.
24/12/2012 09h10
Joaquim Barbosa e a marcha da sensatez
Barbara W. Tuchman escreveu, em 1984,
um dos livros mais admiráveis da humanidade: A marcha da insensatez.Cuida,
essencialmente, do seguinte: como os governantes (homens públicos), em certos
momentos, cometem erros homéricos, destruindo sua nação ou sua reputação.
Quatro grandes acontecimentos da história são detalhadamente abordados no
livro: como puderam os troianos imbecilmente puxar o famigerado cavalo de
madeira para dentro dos muros de Tróia, como os papas da Renascença toscamente
não foram capazes de captar as forças reformistas, impedindo a cisão
protestante, como a arrogância dos lordes ingleses forjaram a libertação da
América do Norte e como os americanos nesciamente se meteram na guerra do
Vietnã.
A história, na verdade, é pródiga em
mais exemplos de insensatez: o movimento comunista de Stalin, os fascismos, o
nazismo de Hitler, a invasão do Iraque pelo ex-presidente Bush, a guerra do
Afeganistão etc.
Nesta semana, no Brasil, vimos um
exemplo estrondoso de insensatez, do ponto de vista jurídico, que foi o pedido
do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de prisão imediata dos réus
mensaleiros. Como afirmamos anteriormente, não importa se se trata de rico ou
pobre, petistas ou peessedebistas, preto ou branco: o Estado de Direito deve
sempre ser respeitado. E foi isso que fez Joaquim Barbosa, na sua decisão de
21.12.12, rejeitando a insensatez jurídica do procurador-geral.
Ao indeferir a liminar, o
ministro-presidente observou que “não há dados concretos que permitam apontar a
necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art.312), os quais, aliás,
responderam ao processo em liberdade”. Assim é o direito vigente no Brasil,
desde fevereiro de 2009 (HC 84.078), em decisão história do Pleno do STF. Por
que seria diferente no caso do mensalão? Só para dar razão às críticas (muitas
infundadas) da cúpula do PT de que o julgamento seria político e de exceção?
Antes de indeferir o pedido do
procurador-geral da República, o ministro lembrou que “já foi determinada a
proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e
autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa
determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território
nacional”. “Por todas essas razões, indefiro o pedido”, concluiu o
ministro-presidente.
Do ponto de vista jurídico, Joaquim
Barbosa, nesse ato, retratou a marcha da sensatez jurídica. Carl Schmitt, no
auge das suas doutrinas nazistas, afirmou: “A totalidade do direito alemão hoje
em dia... deve reger-se só e exclusivamente pelo espírito do
nacional-socialismo... Cada interpretação deve ser uma interpretação de acordo
com o nacional-socialismo” (em Müller, Los juristas del horror).
Muitos estão pretendendo repetir a história, para interpretar todo o direito de
acordo com as aberrações do populismo penal midiático.
Goebbels chegou a sugerir “borrar o
ano de 1789 da história da Alemanha” (ano de Revolução Francesa). A partir
dessa desastrada opinião, os juristas da época iniciaram uma grande campanha
contra os direitos humanos, criticando as garantias dos direitos individuais
frente ao Estado, as limitações do poder estatal e as restrições do Estado para
impor e fazer executar suas sentenças penais. Tudo terminou com o nazismo, o
holocausto e a Segunda Guerra Mundial, com milhões de cadáveres.
Schaffstein, um dos emergentes e
grandes penalistas nazistas, afirmou: “Quase todos os princípios, conceitos e
distinções do nosso direito contam com o espírito do Iluminismo e, portanto,
devem ser remodelados sobre a base do novo gênero de pensamento e experiência”,
que é a nazista, que devia se atrelar à sã consciência do povo (Volk)
alemão. A sã consciência do povo alemão está sendo substituída, no século XXI,
pelo populismo penal midiático, como procurei demonstrar no meu novo livro, no
prelo.
Temos que estar atentos contra os
“bandoleiros da República” (como disse o Ministro Celso de Mello), pouco
importando o partido político a que pertencem, punindo-os de acordo com a lei.
Ao mesmo tempo, de olho nos movimentos de destruição do Estado de Direito, em
nome do populismo penal midiático. Nem impunidade daqueles cuja culpabilidade
esteja devidamente comprovada, consoante o devido processo legal, nem
totalitarismos nazistas. A primitivização dos direitos e das garantias
constitui um dos mais horrendos retrocessos civilizatórios.
http://www.fatonotorio.com.br/artigos/ver/228/joaquim-barbosa-e-a-marcha-da-sensatez
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