“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Infiltração que durou mais de um ano e meio gera dano moral




DECISÃO


Por ser mais do que um simples dissabor do dia a dia, uma infiltração que já dura vários meses sem solução pelo vizinho de cima pode gerar indenização por dano moral. O caso ocorreu no Rio de Janeiro e a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu de forma unânime pela indenização. A Turma seguiu integralmente o voto do relator do processo, ministro Sidnei Beneti.

Em setembro de 2006, após um ano e meio de tentativas de resolver amigavelmente o problema da infiltração, a moradora entrou com ação de danos materiais e morais contra a vizinha de cima. Ela já tinha laudo técnico da prefeitura indicando que a água só podia vir do apartamento de cima. Em primeira instância, a ação foi julgada procedente. O juiz fixou a indenização por danos morais em R$ 1.500.

As duas partes apelaram: a vizinha de baixo, vítima da infiltração, pediu que a indenização fosse aumentada para 40 salários mínimos; já a vizinha de cima tentou afastar a condenação em danos morais. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) não reconheceu a ocorrência dos danos morais, por falta de lesão à personalidade da autora da ação. Apontou que a súmula 75 do tribunal fluminense determina que o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por si só, não configura dano moral. Assim, o TJRJ deu provimento ao recurso da ré e julgou prejudicada a apelação da autora, que pretendia aumentar o valor da reparação.

Insistindo na ocorrência de dano moral, a autora da ação alegou, em recurso ao STJ, que a infiltração já durava vários meses, causando graves inconvenientes e aborrecimentos. A outra moradora não teria tomado nenhuma providência e, segundo os autos, teria declarado ironicamente que ia “deixar rolar”.

Além do dissabor

O ministro Sidnei Beneti disse que, para a jurisprudência do STJ, meros dissabores não são suficientes para gerar danos morais indenizáveis. Segundo ele, há inclusive precedentes na Corte afirmando que a simples infiltração de água pode ser considerada um mero dissabor, que não dá direito à indenização por dano moral. “No caso dos autos, porém, tem-se situação de grande constrangimento, que perdurou durante muitos meses”, observou o relator.

O ministro Beneti destacou que a casa é lugar de sossego e descanso e que não se podem considerar de menor importância constrangimentos e aborrecimentos experimentados nesse ambiente. Sobretudo, ele continuou, se esse distúrbio foi “claramente provocado por conduta negligente da ré e perpetuado pela inércia desta em adotar providência simples, como a substituição do rejunte do piso de seu apartamento”.

Ele considerou que a situação supera um mero aborrecimento ou dissabor, havendo verdadeiro dano ao direito de dignidade, passível de reparação. A própria parte final da Súmula 75 do TJRJ prevê – salientou o ministro – que, se da infração advir circunstância que atente contra a dignidade da pessoa, pode ocorrer o dano moral.

Com base no voto do relator, a Terceira Turma reconheceu o direito à indenização por danos morais e determinou que o TJRJ prossiga no julgamento da apelação apresentada pela autora, para afinal decidir sobre o valor da reparação devida. 

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