Pular para o conteúdo principal

Lei fluminense que regula briga de galo é inconstitucional

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a Lei estadual nº 2.895/98, do Rio de Janeiro, que autoriza e disciplina a realização de competições entre “galos combatentes”. A questão foi discutida na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1856, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e julgada procedente pela unanimidade dos ministros da Corte.

Para a PGR, a lei estadual afrontou o artigo 225, caput, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, “nos quais sobressaem o dever jurídico de o Poder Público e a coletividade defender e preservar o meio ambiente, e a vedação, na forma da lei, das práticas que submetem os animais a crueldades”. Conforme a ação, a lei questionada possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldade (rinhas de brigas de galos) em flagrante violação ao mandamento constitucional proibitivo de práticas cruéis envolvendo animais.

Julgamento

Para o ministro Celso de Mello, a norma questionada está em “situação de conflito ostensivo com a Constituição Federal”, que veda a prática de crueldade contra animais. “O constituinte objetivou – com a proteção da fauna e com a vedação, dentre outras, de práticas que submetam os animais à crueldade – assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral”, salientou.

Ele recordou que este é o quarto caso similar apreciado pela Corte. Observou que a lei fluminense é idêntica a uma lei catarinense declarada inconstitucional pelo Plenário do Supremo no exame da ADI 2514. “A jurisprudência do Supremo mostra-se altamente positiva ao repudiar leis emanadas de estados-membros que, na verdade, culminam por viabilizar práticas cruéis contra animais em claro desafio ao que estabelece e proíbe a Constituição da República”, disse.

De acordo com o relator, as brigas de galo são inerentemente cruéis “e só podem ser apreciadas por indivíduos de personalidade pervertida e sádicos”. Ele afirmou que tais atos são incompatíveis com a CF, tendo em vista que as aves das raças combatentes são submetidas a maus tratos, “em competições promovidas por infratores do ordenamento constitucional e da legislação ambiental que transgridem com seu comportamento delinquencial a regra constante”.

Dever de preservar a fauna

“O respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivemos, nós, os próprios seres humanos”, destacou o relator. “Cabe reconhecer o impacto altamente negativo que representa para incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja ainda submetendo os animais a atos de crueldade”, completou Celso de Mello.

O ministro assinalou que o Supremo, em tema de crueldade contra animais, tem advertido em sucessivos julgamentos que a realização da referida prática mostra-se frontalmente incompatível com o disposto no artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição da República. Ele citou como precedentes o Recurso Extraordinário (RE) 153531 e as ADIs 2514 e 3776, que dispõem não só sobre rinhas e brigas de galo, mas sobre a “farra do boi”.

Esporte e manifestação cultural

O relator afirma que, em período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo – em decisões proferidas há quase 60 anos – já enfatizava que as brigas de galos, por configurarem atos de crueldade contra as referidas aves, “deveriam expor-se à repressão penal do Estado”.

Assim, naquela época, a Corte já teria reconhecido que a briga de galo não é um simples esporte, pois maltrata os animais em treinamentos e lutas que culminam na morte das aves. O Supremo, conforme o ministro Celso de Mello, também rejeitou a alegação de que a prática de brigas de galo e da "farra do boi" pudessem caracterizar manifestação de índole cultural, fundados nos costumes e em práticas populares ocorridas no território nacional.

Celso de Mello ressaltou ainda que algumas pessoas dizem que a briga de galo “é prática desportiva ou como manifestação cultural ou folclórica”. No entanto, avaliou ser essa uma “patética tentativa de fraudar a aplicação da regra constitucional de proteção da fauna, vocacionada, entre outros nobres objetivos, a impedir a prática criminosa de atos de crueldade contra animais”.

Além da jurisprudência, o entendimento de que essas brigas constituem ato de crueldade contra os animais também seria compartilhado com a doutrina, segundo afirmou o ministro Celso de Mello. Conforme os autores lembrados pelo relator, a crueldade está relacionada à ideia de submeter o animal a um mal desnecessário.

Repúdio à prática

Os ministros, à unanimidade, acompanharam o voto do relator pela procedência da ADI. O ministro Ayres Britto afirmou que a Constituição repele a execução de animais, sob o prazer mórbido. “Esse tipo de crueldade caracteriza verdadeira tortura. Essa crueldade caracterizadora de tortura se manifesta no uso do derramamento de sangue e da mutilação física como um meio, porque o fim é a morte”, disse o ministro, ao comentar que o jogo só é valido se for praticado até morte de um dos galos.

“Os galos são seres vivos. Da tortura de um galo para a tortura de um ser humano é um passo, então não podemos deixar de coibir, com toda a energia, esse tipo de prática”, salientou. Ele também destacou que a Constituição Federal protege todos os animais sem discriminação de espécie ou de categoria. Já o ministro Marco Aurélio analisou que a lei local apresenta um vício formal, uma vez que “o trato da matéria teria que se dar em âmbito federal”.

Por sua vez, o ministro Cezar Peluso afirmou que a questão não está apenas proibida pelo artigo 225. “Ela ofende também a dignidade da pessoa humana porque, na verdade, ela implica de certo modo um estímulo às pulsões mais primitivas e irracionais do ser humano”, disse. Segundo o ministro, “a proibição também deita raiz nas proibições de todas as práticas que promovem, estimulam e incentivam essas coisas que diminuem o ser humano como tal e ofende, portanto, a proteção constitucional, a dignidade do ser humano”.


Texto Editora Magister

http://www.editoramagister.com/noticia_ler.php?id=52110&utm_source=PmwebCRM-AGECOMUNICACAO&utm_medium=Edi%c3%a7%c3%a3o%20n.%201394%20-%2027.maio.2011

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

Extraído de:   Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul    - 23 horas atrás Compartilhe O Tribunal de Justiça do Estado negou pedido de pensão alimentícia a ex-mulher e determinou assim como a partilha de dívidas do ex-casal, confirmando sentença proferida na Comarca de Marau. O Juízo do 1º Grau concedeu o pedido. A decisão foi confirmada pelo TJRS. Caso O autor do processo ingressou na Justiça com ação de separação, partilha e alimentos contra a ex-mulher. O casal já estava separado há dois anos. No pedido, o ex-marido apresentou as dívidas a serem partilhadas, sendo elas um débito no valor de cerca de R$ 4 mil, decorrente de um financiamento para custear um piano dado de presente à filha do casal, bem como a mensalidade da faculdade da jovem, no valor de R$ 346,00. Sentença O processo tramitou na Comarca de Marau. O julgamento foi realizado pela Juíza de Direito Margot Cristina Agostini, da 1ª Vara Judicial do Foro de Marau. Na sentença, a magistrada concede...

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

  29 de janeiro de 2022, 17h19 Por  Daniel Santos de Freitas Sem dúvidas que, com o advento da Lei 14.230/2021, que altera substancialmente a Lei 8.429/92, uma missão muito importante foi dada ao Poder Judiciário, em especial ao STJ: pacificar entraves interpretativos acerca da Lei de Improbidade (Lei 8.429/92), sob a perspectiva da lei modificadora. Pela profundidade das alterações, em que pese não ter sido revogada a Lei 8.429/92, muitos afirmam estarmos diante de uma "nova" Lei de Improbidade Administrativa. Em certos aspectos, parece que o legislador enfrentou alguns posicionamentos da corte superior que não mais se adequavam à realidade atual e editou normas em sentido oposto, de sorte a dar um ar totalmente atualizado à Lei de Improbidade, visando principalmente a conter excessos.

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ

  ESPECIAL 13/03/2022 06:55 O ato administrativo – espécie de ato jurídico – é toda manifestação unilateral de vontade da administração pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato resguardar, adquirir, modificar, extinguir ou declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos administrados ou a si própria. Esse é um dos temas mais estudados no âmbito do direito administrativo e, da mesma forma, um dos mais frequentes nas ações ajuizadas contra a administração pública. Em razão do poder discricionário da administração, nem todas as questões relativas ao ato administrativo podem ser analisadas pelo Judiciário – que, em geral, está adstrito à análise dos requisitos legais de validade, mas também deve aferir o respeito aos princípios administrativos, como os da razoabilidade e da proporcionalidade. Cotidianamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é acionado para estabelecer a correta interpretação jurídica nos conflitos que envolvem esse tema. Ato que el...